Asfaltando a safra

Com 18 anos incompletos, lóbulo frontal ainda em formação, mochila nas costas e viajando de carona na boléia de um novíssimo caminhão trucado, lá ia eu nas minhas férias de cursinho, saindo de Uberaba a caminho da fazenda de parentes de meu grande amigo Ernani Lazarini, localizada a 22km do distrito do Rio do Peixe. Objetivo: passar a maior parte do descanso escolar curtindo ares diferentes lidando com gado de corte. O retorno dependia mais uma vez de boas almas que me dessem carona até Uberaba, onde no dia seguinte eu continuaria minha jornada de férias, indo até Poços de Caldas para encontrar outra turma de amigos.

Nestas andanças, eu me deslumbrava com as belezas naturais, mas constatava também uma batelada de problemas oriundos da má gestão e da incúria dos que mandam. Isto me levava a meditar: quando teremos governantes que pensarão adiante de seu tempo? Na área da Saúde, moribundos percorrem os corredores dos hospitais repletos de corpos alojados em macas. Na Educação, professores pagos com migalhas e crianças formadas em escolas públicas sem o mínimo de capacidade racional. Nas cidades, moradias financiadas pelo governo com paredes rachadas e carentes de esgoto, que correm a céu aberto sem tratamento dos efluentes. Lixões evidenciam a incapacidade de administrar o resíduo humano, talvez o maior problema atual das zonas urbanas. No campo, as agrovilas veem parte das terras dos assentados serem vendidas sem escritura para produtores com alguma capacidade de investimento, já que não há assistência técnica para todos e, sobretudo, um plano de produção familiar que vislumbre a renda mínima do cidadão assentado.

A intransitável malha rodoviária, responsável por escoar a produção de grãos, é mais uma mazela anunciada, resultado da perniciosa ingerência política e falta de planejamento à longo prazo. De que adianta os lavouristas produzirem a maior safra de grãos da história se os meios de transporte não conseguem escoá-la para outros países através de nossos portos, quase todos sem infraestrutura adequada?

Em outra ocasião, saindo de Cuiabá, capital de Mato Grosso, o maior produtor de soja do País, colhendo 22 milhões de toneladas de soja e 13 milhões de milho, segui viagem à Barra do Bugre, onde me vi obrigado a percorrer mais de 70 km pela BR 163, percurso que poderia ser feito em 45 minutos, mas que na realidade demorou o triplo. Ingenuamente eu havia marcado compromisso contando com um tempo de deslocamento normal, mas fui vítima dos milhares de buracos nas estradas, verdadeiras armadilhas em meio ao asfalto já todo esfarelado. Para agravar, longos comboios de carretas com soja impossibilitam a ultrapassagem de qualquer motorista que tenha amor à vida.

Já quase chegando ao trevo de Jangada, parei num posto de combustível para tomar um café e comer um pão de queijo, iguaria comum naquelas bandas. Conversando com motoristas de trê caminhões boiadeiros que ali estavam, antes de seguir viagem a Cuiabá, perguntei-lhes sobre as péssimas condições da estrada, e se esse fato implicaria em perdas para a indústria da carne. Quase em uníssono responderam que muitos bois deitam durante o trajeto devido aos solavancos sofrido pelas carretas ao transitarem o caminho esburacado, onde não é raro haver mortes por pisoteio. Some-se a isso o fato que os motoristas têm que carregar os bois mais cedo que o previsto, já calculando o atraso para entrega de sua carga no frigorífico.

Dias depois, discutindo a respeito desta vergonhosa realidade com um gerente de famoso abatedouro, ele me confirmou que nessa época de safra seus compradores evitam adquirir animais em regiões que dependem de estradas utilizadas para escoamento dos grãos, pois é muito comum em cada carreta, se deparar com animais lesionados, que geram perdas significativas à indústria e, consequentemente, aos produtores. Como é sabido, a indústria paga pela carcaça limpa e não pelos hematomas que são descartados para fábricas de graxa. É inaceitável a pecuária ser mais onerada no Mato Grosso, estado que já é detentor do pior preço médio da arroba em todo Brasil.

É imperativo e urgente que se proceda o recapeamento e duplicação dessas estradas ultra-movimentadas. A medida se tornará ainda mais eficaz quando ocorrer a fiscalização das empreiteiras responsáveis pelas obras. Além de qualidade, a estrada deverá estar equipada com balanças de checagem em cada início de trecho asfáltico e. assim, moralizar os excessos de carga que se encontram a todo momento.

Já se passava das 17h após ter cumprido o compromisso e nenhum veículo motorizado havia cruzado a entrada da fazenda onde aguardávamos ansiosos por uma boa carona. O horizonte se avermelhava no deitar do sol, quando nossa chance surgiu vestida de preto no poeirame do estradão. Era um caminhão que carregava carvão abarrotado de gente por todo lado, o que nos obrigou a subir em cima da carga. Resultado: chegamos em Uberaba da mesma cor que o produto ensacado.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *